Claude D’ Abbeville
Nascido na segunda metade do século XVI, Claude d’ Abbeville recebeu de seus pais o nome Firmino de Foulon. De família religiosa, em 1601 ingressou na Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (Ordo Fratum Minorum Cappucinorum – OFM), ordem religiosa da família franciscana, criada quando alguns frades optaram por uma vida dedicada à oração e pobreza e aprovada em 1517 pelo Papa Leão X. Ao dedicar-se à vida religiosa, adotou a denominação de sua terra natal com o sobrenome Abbeville. Os capuchinhos da França Equinocial faziam parte do convento de Saint’Honoré em Paris, fundado em 1575 por Catarina de Médici, a partir de doação do local concedida por Henrique II em 1574 (EVREUX, 2002). O convento era famoso pelos estudos de Teologia que ali se faziam, bem como, pelo zelo durante epidemias e por sua grande farmácia (PIANZOLA, 1991). Mas, de acordo com Evreux (2002, p. 22), a verdadeira origem de sua reputação se relaciona à outra questão: “Não era nem a ciência […] nem mesmo os benefícios diários às classes necessitadas, que lhes granjearam o crédito uníssono que gozavam em Paris, pois o deviam sobretudo às brilhantes conversões, realizadas recentemente”. Os capuchinhos de Saint’Honoré eram conhecidos pela dedicação à conversão num contexto assolado pelas disputas religiosas entre católicos e protestantes. Nessa conjuntura, Claude d’ Abbeville constituiu o corpo de missionários atuantes na expedição francesa ao Maranhão, sobre a qual publicou o relato “História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão”. O sumário da obra elenca sessenta e dois capítulos organizados numa narrativa cronológica da viagem. O prefácio expõe as intenções da publicação enquanto apelo ao processo missionário (MARTINS, 2020). A descrição do capuchinho expressa concepções e representações típicas da sociedade em transição do medievo para a modernidade. Segundo Pianzola (1991, p. 36) “Cita com facilidade os autores latinos, gregos e as Escrituras em hebraico”. Apesar de sua formação teológica e suas representações sobre a realidade privilegiarem uma ética medieval, o relato do capuchinho contém elementos renascentistas. Caracteriza, portanto, um pensamento em transição. Há um nítido esforço para explicar o mundo, através de um pensamento racional “[…] Essa descrição, entretanto, está envolvida por uma dimensão divina […] Visa, sobretudo, elevar o leitor a um plano superior, a refletir sobre a sabedoria e a grandeza de Deus na constituição da natureza” (CABRAL, 1990, p. 103). Claude d’ Abbeville apresenta uma relevante descrição da astronomia tupinambá e seu relato enfoca elementos cosmológicos como a água, a fauna marinha, os ventos, raios e trovões. Em sua abordagem, são expostas teorias sobre a divisão do universo com base em contribuições de autores antigos. O religioso compartilha da concepção que preconiza a divisão do universo em parte celeste e parte elementar. Sendo a primeira formada pelos polos, trópicos e constelações, e a segunda pelo fogo, ar, água e terra (MARTINS, 2020). O capuchinho permeia suas descrições, com o argumento da existência de elementos naturais a partir da magnificência divina, evidenciando a hierofania do ethos medieval apesar do esforço por uma proposta de compreensão racional da natureza. Abbeville (2002, p. 62) refere que “Assim os criou Deus, este Soberano arquiteto”. Aspectos geográficos como o movimento das marés, dados de localização e o clima também são abordados pelo autor, sob a justificativa de traçar um serviço prestado aos navegantes.
Na chegada a Upaon-Açu, a narrativa se volta para a expedição. Conforme Lacroix (2002), o capuchinho aborda o estabelecimento da missão entre os Tupinambá apresentando as cerimônias que marcavam o consentimento dos nativos para a presença francesa. Detalha, com isso, o conjunto de ritos como a plantação da cruz, discursos e os primeiros batismos são caracterizados pelo religioso (SEED, 1999). Prosseguindo, o capuchinho passa a delinear os elementos naturais e humanos da região. Assim, identificou e batizou com nomes indígenas diversos insetos, tais como as grandes borboletas azuis, as mutucas e os mosquitos. Ele apresenta a diversidade da fauna e da flora numa descrição rica em detalhes que apontam a singularidade dos elementos que o levam a especular sobre a presença de minerais preciosos. Abbeville (2002, p. 209) cita que “Por tudo isto ligo mais confiança no que me asseguram muitos franceses e índios, testemunhas oculares, de aí haver muitas minas de ouro, e outras pedras preciosas, e muitos viveiros de pérolas”. Abbeville utilizou sua narrativa para anunciar as vantagens da missão e estimular investimentos. Porém, com o fracasso da França Equinocial, o religioso retornou para a França onde faleceu em Ruão em 1616. A obra narra de forma minuciosa a conquista francesa em Upaon-Açu e suas representações de tempo, espaço, índio, sociedade e colonização (CABRAL, 1990). No transcorrer do relato, a análise das categorias de tempo e espaço demonstra um pensamento em transição e contribui em sua época para a combinação de concepções fundadas na ética medieval pela religiosidade, com ideias renascentistas valorizando aspectos científicos.