Antônio Gonçalves Dias, maranhense de Caxias, foi advogado, poeta, dramaturgo, professor, crítico de história, etnólogo, jornalista. É o patrono da Cadeira 15 da Academia Brasileira de Letras, por escolha do primeiro ocupante da cátedra, o também poeta Olavo Bilac. Na Academia Maranhense de Ciências, é patrono da Cadeira 38, cujo primeiro ocupante é o escritor, jornalista e administrador caxiense Edmilson Sanches. Gonçalves Dias é conhecido como o grande poeta romântico do Brasil, o mais célebre poeta do Indianismo, o criador ou iniciador de uma literatura de expressão brasileira, afastada dos modos e moldes da Literatura Portuguesa. Mas, além de ter sido o grande escritor brasileiro por excelência, Gonçalves Dias foi também advogado, formado na Universidade de Coimbra (Portugal) e cientista, reconhecido como grande etnólogo, que é o especialista em estudos sobre etnias, as coletividades de seres humanos e suas características como língua, espiritualidade, costumes etc. Gonçalves Dias nasceu em 10 de agosto de 1823, em Caxias, em um sítio de nome Boa Vista, nas matas do lugar Jatobá, para onde seu pai, o comerciante português João Manuel Gonçalves Dias, se transferira temporariamente com Dª Vicência Mendes Ferreira, que estava grávida do futuro grande poeta. Ali o casal esperou arrefecer a onda nativista e contrária aos portugueses habitantes de Caxias; nesse intermédio, veio à luz Gonçalves Dias. Menos de três meses depois de completar 41 anos, em 3 de novembro de 1864, morre Gonçalves Dias no naufrágio do navio “Ville de Boulogne”, no Baixio dos Atins, município de Guimarães. A embarcação e o Poeta haviam chegado às águas marítimas maranhenses – e assim, de forma profética e fatídica, Gonçalves Dias pôde ver, sentir, respirar o ambiente de seu Estado natal, o que tanto pedira em sua “Canção do Exílio”: “Não permita Deus que eu morra / Sem que eu volte para lá / […]”.

Entre seu nascimento em Caxias e seu falecimento em Guimarães, correram tantas águas quanto as que levaram o Poeta para a Eternidade. Logo cedo se revelava o talento do menino vivaz, esperto, curioso, leitor, que auxiliava o pai na mercearia na antiga Rua do Cisco (depois Rua Benedito Leite, atualmente Rua Fause Simão), endereço do sobrado de seu pai, agora casado formalmente com Dª Adelaide Ramos d’Almeida, de família de São Luís. Um professor de Gonçalves Dias, Ricardo Leão Sabino, homem que foi de múltiplos saberes e ofícios (espadachim, inventor, dentista, estatuário, tabelião, pintor, desenhista, músico, filósofo, artesão, comerciante, amigo do Duque de Caxias, com quem lutou ao lado em várias guerras etc.), percebendo a inteligência do pequeno Gonçalves Dias, logo sugeriu que o menino deveria já estar na Europa, em Portugal, onde teria formação e informações à altura. Chegou até a propor uma ação entre amigos para coletar-se dinheiro para a viagem e manutenção do garoto – o que não foi necessário, pois a madrasta de Gonçalves Dias resolveu, não sem uma dose de má vontade, bancar os estudos dele no Velho Continente. Depois de muitos estudos e dificuldades – financeiras, de saúde, no amor… –, Gonçalves Dias retorna para o Brasil, em 1845. Vem para o Maranhão. Passa cerca de dez meses em Caxias, sua cidade natal. Em 1846 vai para São Luís e, a seguir, Rio de Janeiro, onde ensina História e Latim no Colégio Pedro 2º. No Rio exerce o jornalismo, escrevendo para o “Correio da Tarde”, “Gazeta Oficial”, “Jornal do Commercio” e “Sentinela da Monarquia”. Em 1849 cria sua própria publicação, a revista “Guanabara”, com a participação dos escritores Manuel de Araújo Porto-Alegre, que era também arquiteto, historiador e diplomata, e Joaquim Manuel de Macedo, também médico, jornalista e político. Em 1851, a convite do Governo, novamente vem para o Maranhão, onde realiza estudos sobre Educação – o que faria depois na Europa, durante quatro anos, agora em favor da Educação brasileira. Em 1852 marca-se a recusa da família de Ana Amélia ao seu pedido de casamento, em São Luís, e, no mesmo ano, no Rio de Janeiro, seu enlace matrimonial com Olímpia da Costa, que era filho de um escritor e médico bem relacionado, Cláudio Luís da Costa. Os conhecimentos de cientista de Gonçalves Dias serão de grande valia quando é convidado para integrar Comissão e Expedição Científica. Foi nomeado chefe da seção de Etnografia em 1856 e, de 1859 a 1861 está em campo, como um dos líderes da Expedição, que trabalha no Nordeste e também no Norte brasileiros, além do Peru.

No seu livro-relato “Trabalhos da Comissão Científica de Exploração”, de 1862, Gonçalves Dias revela cuidados e críticas ao fazer científico no Brasil daquela época (não tão dessemelhante do de agora, “mutatis mutandis”). Logo na introdução, na “Parte Histórica”, informava Gonçalves Dias que “já acontecia que a terra de Santa Cruz era melhor estudada e apreciada nas viagens e relações dos escritores estrangeiros do que nas memórias dos nossos antepassados”. Um parágrafo depois, o notável caxiense observa que “os estrangeiros têm tido nem só ampla faculdade de visitá-lo [ao Brasil], pois não carecem de solicitar permissão para isso, como auxílio, recomendação, proteção e favores do nosso governo […]”. Logo adiante, no mesmo parágrafo, o relator oficial da Expedição ressublinha, em aposto: “[…] aquele fato singular que no princípio assinalamos -de ser o Brasil mais e melhor conhecido pelos estranhos do que pelos nossos -se conserva no mesmo pé.” E finaliza o parágrafo, como quem lamenta ou alerta: “Precisamos estudar o Brasil nos autores estrangeiros, consultamos as suas cartas marítimas até na nossa navegação de cabotagem [aquela feita perto do litoral, com terras à vista], e mesmo na apreciação política dos acontecimentos remotos ou recentes da nossa história o estrangeiro como que tem, na opinião pública, entre nós a primazia, e leva a palma […]”.

Em 1862 volta o grande maranhense à Europa. Sua saúde, sempre frágil, exigia melhora e novos ares. Mas os resultados no Velho Continente não são os esperados por Gonçalves Dias. E é assim que, em 10 de setembro de 1864, do porto francês Le Havre, um Gonçalves Dias muito doente resolve enfrentar quase dois meses de viagem, no navio com nome de cidade, “Ville de Boulogne”. Entre tantas coisas em que foi único, foi Gonçalves Dias o único a morrer no naufrágio. Já estava agonizando durante a viagem, e, se não se lembraram do Poeta para tentar livrá-lo do mar, o grande oceano da Literatura, da Arte, da Ciência e da Cultura quotidianamente ressuscita Gonçalves Dias, pelos trabalhos infatigáveis a que se dedicou e pelas obras de excelência que deixou, as quais, desde 1846, com seus iniciais “Primeiros Cantos”, imprimiram uma nova marca, uma nova identidade para todo o Brasil, um jeito nosso, brasileiro, de escrever Literatura e descrever com orgulho, a terra em que nasceu. (E. S.)